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Publicação

Desafiar a monogamia: biopolíticas emergentes da disidencia relacional [Chamada de artigos - 31 DE DEZEMBRO]- Periódicus

Organizam: Pablo Pérez Navarro – Centro de Estudos Socias (CES) da Universidade de Coimbra (Portugal) Mônica Barbosa – Grupo de Pesquisa Políticas, Afetos e Sexualidades Não-Monogâmicas (UFJF) Geni Núñez - ABIPSI (Articulação Brasileira de Indígenas Psicólogos/as) Daniel Cardoso – CICANT – Universidade Lusófona, Portugal, FCSH – Universidade Nova de Lisboa (Portugal)

O imperativo cultural da monogamia tem sido uma importante preocupação de diferentes correntes de luta e pensamento crítico, que nem sempre estão alinhadas umas com as outras. Os diversos marxismos, as feministas anarquistas e socialistas, o feminismo lésbico, os estudos queer e decoloniais, as epistemologias indígenas, entre outras linhas de pesquisa e militâncias políticas, têm encontrado na crítica à organização monogâmica dos afetos, das relações sexuais e dos vínculos de parentesco um ponto de encontro inesperado. Essa transversalidade é o resultado, ao nosso entender, da forma como o patriarcado, o colonialismo e a exploração de classe, entre outros eixos de dominação, têm se servido da imposição da ordem familiar monógama, reprodutiva e heterociscentrada para intensificar as relações de opressão que os definem. Essa lógica monolítica do mundo colonial que trata como propriedade e posse do Humano os rios, as matas e os demais bichos, também se capilariza nas relações interpessoais. Trata-se, de uma biopolítica, que tem no sexo um ponto de articulação entre o político, o biológico e o econômico, tanto no nível individual, quanto no coletivo. E trata-se de uma necropolítica, que deixa corpos, vidas e grupos sociais que são vistos como desobidientes perante a cis-hetero-mononorma abertos e disponíveis para morrer. Por esse motivo, consideramos imprescindível manter alertas as perspectivas feministas, anticoloniais, anti-racistas e de classe quanto ao desafio de resistir à monogamia compulsória. Convém continuar a convocar estas abordagens para manter viva a consciência do quão mutáveis são o discurso e a definição de ‘monogamia’, de como da Grécia Antiga até às aplicações de dating atuais conseguimos encontrar traços de uma gestão monogâmica dos géneros e das intimidades que sempre se tem reinventado. Esta tarefa parece ainda mais relevante num contexto marcado pela institucionalização das ofensivas contra a “ideologia de gênero”, nas quais o fortalecimento da monogamia enquanto norma social e jurídica ocupa um lugar surpreendentemente pouco discutido. Com efeito, como esquecer que essas cruzadas morais, protagonizadas nomeadamente por fundamentalistas cristãos, constituem um ataque direto àqueles que procuram desenvolver seus erotismos, seus afetos, ou seus projetos reprodutivos e de criança, à margem da organização monogâmica das relações de parentesco? Não é por acaso, nesse sentido, que a influência crescente da extrema direita no Brasil vá ao encontro dos discursos de instituições como o Conselho Nacional de Justiça (2018) e o Superior Tribunal de Justiça (2020), que pretenderam consolidar o papel que ocupa a monogamia na ordem pública da nação, sublinhando assim o importante lugar que o legado colonial da monogamia ocupa no universo moral das cruzadas “anti-gênero”. E também não é por acaso que assistimos, em vários países, ao longo da última década, ao reconhecimento legal da pluriparentalidade como uma forma de dirimir casos de contestação de custódia infantil que envolvem famílias monogâmicas re-constituidas ou, eventualmente, o recurso às técnicas de reprodução assistida– as excepções que mantêm a norma. Sobre este pano de fundo, a crise pandêmica tem vindo a apresentar desafios específicos para as alternativas à monogamia. As políticas de distanciamento social, em particular, têm vindo a reforçar a imagem da família nuclear como espaço de segurança e da dissidência relacional enquanto ameaça, de forma muito similar ao acontecido com a estigmatização dos ‘grupos de risco’ desde o início da pandemia de HIV/sida. Ao mesmo tempo, neste período temos visto um crescimento exponencial da violência de gênero, assim como de divórcios e de crises quanto às expectativas monogâmicas. Essas rupturas marcam uma importante descontinuidade entre a afirmação e o questionamento da estrutura monogâmica. Tendo esta complexidade em mente, este número temático visa refletir sobre as regulações e os desafios emergentes à – e contra – a norma da monogamia. Longe de pretender delimitar o espaço de reflexão “próprio” desse número temático, esperamos estender pontes entre disciplinas acadêmicas diversas e, ao mesmo tempo, entre práticas e comunidades que não costumam dialogar entre si. Por esse motivo, esperamos contar com contribuições que dialoguem com a temática proposta desde diferentes pontos de vista, de caráter transdisciplinar ou procedentes de áreas como a filosofia, a antropologia, o direito, a literatura, a psicologia, a sociologia, a crítica artística, entre outras. Com esse fim, sugerimos os seguintes eixos temáticos: Estado: A monogamia no campo do direito, a criminalização da bigamia, o privilégio estatal das relações monogâmicas, o reconhecimento legal das relações de parentesco não-monogâmico, a pluriparentalidade, as não monogamias e o ativismo jurídico, as alternativas à centralidade da família nuclear nas políticas públicas e de assistência social. Comunidades: Relações entre comunidades não-monogâmicas e coletivos feministas, LGBTQI+ e movimentos anti-racistas. Relações livres, swingers, anarquistas relacionais, não monogamias kink, BDSM, poliamor, contraculturas queer. Não monogamias das comunidades polígamas, indígenas e afrocentradas. Experiências associativas e ativistas das dissidência relacionais, não monogamias nos espaços de protesto. Sexualidades não monogâmicas e políticas de pânico moral, ordem pública e mononormatividade. Pandemia: O regresso ao lar: espaço seguro?, a monogamização das relações e suas rupturas, da sexualidade e das redes de afetos, o fortalecimento das redes virtuais, das sexualidades online, a dependência das não-monogamias e espaços físicos de encontro, os paralelismos e contrastes entre os efeitos da pandemia do HIV e a de Covid-19 na vida relacional, as redes de cuidados, as relações não-monogâmicas e a precariedade, o corpo e a vulnerabilidade. Decolonalidade: A monogamia nos processos de catequização e colonização, relações e contrastes entre a representação dos corpos não brancos e dos corpos não-monogâmicos enquanto ameaça, relações entre poliamor, poligamia e islamofobia. O racismo nas comunidades não-monogâmicas, a sexualidade e os parentescos não monogâmicos nos povos originários. Ball culture e parentescos queer em Abya Yala. Interseccionalidade: Violências de raça e gênero nas relações não monogâmicas, as não monogamias nas diferentes classes sociais, não monogamia e branquitude, não monogamia e heterocisgeneridade, não monogamia e velhice, monossexismo, bifobia, gordofobia, parentalidades não monogâmicas e as desigualdades de gênero nos projetos de crianza, fluidez das masculinidades nas práticas não monogâmicas, a não monogamia na intersecção com opressões sociais. Esperamos, por último, que este número monográfico receba contribuições procedentes de espaços políticos e geográficos diversos, com vistas a reforçar os diálogos Sul-Sul e Norte-Sul nos estudos sobre as não monogamias, assim como entre os espaços acadêmicos e as lutas ativistas

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